A percepção de que o planeta Terra, com idade de 5,0 bilhões de anos é um ser vivo, pode ser um instrumento importante para a materialização da relação organismo/meio da gestalt terapia.
A teoria Gaia, de James Lovelock, afirma que a Vida e a Terra evoluem juntas, excluindo o paradigma da visão científica convencional onde reina o apartheid entre os vários campos das disciplinas ambientais. A proposta dessa nova-antiga visão é fazer uma síntese das contribuições da geologia, geoquímica, biologia evolutiva e climatologia, transformando as concepções gregas da Terra, enquanto deusa viva – numa teoria fundamentada cientificamente e apoiada em um nova disciplina, a geofisiologia. Por outro lado, apresentar o planeta Terra como Gaia – Mãe Natureza – de forma compreensível e tentar levantar algumas questões que mostrem a famosa relação organismo-ambiente e as dinâmicas fronteiras de contato é, para um geólogo, uma tarefa difícil e porque não dizer audaciosa.
Perls dizia que não é posível analisar um ser humano independente do oxigênio que ele respira. Mesmo que suas palavras não devam ser tomadas ao pé da letra, o oxigênio, elemento chave para a existência da vida, está presente na atmosfera numa percentagem de 20,8%. Se sua concentração estivesse acima desse valor, qualquer faísca poderia transformar o planeta numa bola de fogo, valores abaixo, acarretaria uma deficiência desse elemento para muitas espécies que não sobreviveriam inclusive, a nossa. As algas microscópicas que vivem nos ambientes aquáticos, espcialmente nos oceanos – fitoplancton – são as maiores responsáveis pela regulagem do percentual de oxigênio na atmosfera. Elas se beneficiam da tecnologiaconhecida como fotossíntese, que é a transformação do CO2 em oxigênio livre, na presença da luz solar. É preciso ressaltar que os vegetais são os nossos ‘orgãos externos da respiração. Eles retiram o C02 e fornecem o oxigênio, elemento insdispensável para a vida animal. Da mesma maneira, sem os animais, as plantas também morreriam, porque nós devolvemos à atmosfera o CO2, o mais importante alimento das plantas. Todos sabem da importância da respiração e da necessidade de respirar um ar de qualidade, hoje difícil nos grandes aglomerados urbanos. Até que ponto o não saber respirar corretamente ou respirar um ar contaminado interfere no comportamento humano?
Um outro exemplo que demonstra que a Terra funciona como um organismo vivo, é fornecido pela salinidade da água do mar. O mar é salgado devido a quantidade de sais dissolvidos na água que chegaram e chegam a esse ambiente através das erupções vulcânicas e do aporte de águas continentais. Se considerarmos os últimos 18 milhões de anos, a quantidade de sais lançados aos oceanos já seria suficiente para transformar todos os oceanos em um verdadeiro mar morto,com valores de salinidade acima de 40%. Entretanto, a quantidade média de sais na água do mar permanece, desde a origem dos oceanos, em 35%o, porque os organismos microscópicos que habitam o ambiente marinho concentram o excesso de sais, permitindo que exista vida. Como se sabe, a origem da vida se deu a 3 bilhões de anos nos oceanos, e nós somos, à luz da teoria da evolução de Darwin, filhos desse grande útero materno.
Considerando a quantidade de água que cai na Terra ao longo de sua história geológica, ela seria suficiente para tornar o pH de todos os solos com a existência de vegetação. Entretanto, a presença de bactérias e outros microorganismos nos solos não permitem que estes fiquem estéreis, e assim possibilitam a presença da cobertura vegetal que interfere sobre o clima e, consequentemente, sobre a vida. Não fossem os mecanismos utilizados pelo fitoplâncton, zooplancton e pelos microorganismos do solo, não existiria vida no planeta Terra e nós certamente não estaríamos aqui.
Percebendo a Terra como um ser vivo, Peter Russel, advoga que nós, seres humanos, constituímos as células do cérebro do planeta. Seria o inconsciente coletivo de Jung, produto do pensamento dos 5 bilhões de células que formam o cérebro global da Terra viva? Os desequilíbrios do planeta provocados pela emissão de gases estufa na atmosfera, chuvas ácidas, buraco na camada de ozônio, desmatamentos, extinção de espécies animais e vegetais, etc, não sugerem que o ser humano, como célula do cérebro do planeta, esteja naturalmente desequilibrado e precisando cada vez mais de abordagens psicológicas que o coloque visceralmente em contato com os princípios de sua evolução biológica? Inserir, sempre que possível, técnicas que levem o homem ao contato com o ambiente natural, não seria um instrumento importante na abordagem da gestalt terapia?
Saber que nós somos o planeta, materializado quando estamos em awareness com Gaia, é sem dúvida um elemento importante na utopia de uma vida harmoniosa.
Fonte: http://www.saquarema.com.br/ – Luiz Lira é Geólogo, Prof. do Departamento de Pesca da UFRPE