A história oficial do papel relata que ele foi inventado na China há 2 000 anos, por um eunuco da corte da dinastia Han, Cai Lun, a partir da casca da amoreira. Por ironia, justamente o papel ameaçaria séculos depois travar o progresso do país – não o papel de seda, de alta qualidade, sobre o qual a escrita vira obra de arte, mas o papel grosseiro das caixas de papelão. Há vinte anos, em processo de se tornar um gigante exportador, a China produzia pouca quantidade de embalagens, de péssima qualidade. A dona de uma pequena recicladora em Hong Kong, Zhang Yin, viu o problema e achou a solução: embarcou para Los Angeles sem falar uma palavra de inglês, montou uma empresa exportadora e pôs-se a coletar o papel que os americanos jogavam no lixo às toneladas. Enquanto organizava o negócio, conheceu e se casou com Liu Ming Chung, nascido em Taiwan mas criado no Brasil, onde se formou em odontologia e exerceu a profissão em São Paulo antes de se transferir para o comércio internacional e se mudar para os Estados Unidos. No começo da aventura californiana, contou Zhang ao New York Times, o casal percorria de van os lixões de Los Angeles “mendigando papel descartado” – que normalmente ia para a reciclagem lá mesmo nos Estados Unidos. De tanto insistir, Zhang fez da sua exportadora, a America Chung Nam, um gigante em volume de carga para a China – onde montou, com lixo americano, a Nine Dragons, a maior fabricante de papel para embalagens da Ásia e uma das maiores do mundo. Despachados de navio, os fardos de papel usado demoram quarenta dias para chegar à China. Transformados em caixas de papelão, levam algumas horas para voltar aos Estados Unidos (e ao resto do mundo) acondicionando algum produto made in China. Uma vez aberta, a caixa é jogada fora, recolhida e muito provavelmente mandada de volta para a fábrica de embalagens de Zhang na China. Explorando esse círculo, ela fez-se a “rainha da sucata” chinesa – já foi a mulher mais rica da China, mas perdeu a posição (hoje é só a 45ª pessoa mais rica do país, segundo a Forbes). Em março, sua fortuna foi avaliada em 1,6 bilhão de dólares – isso depois de perder cerca de 7 bilhões com a recente crise financeira.